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    supostamente, ela escreve

    Esse blog foi criado para que eu, Natália Oliveira, tivesse um espaço na internet para publicar meus textos. A bem da verdade, mais procrastino que escrevo, mas isso não me impede de sonhar acordada com o dia em que conseguirei escrever algo realmente bom. Sou saudosista da época dos blogs pessoais, gosto de histórias (e fofocas) e de jogos casuais. Esse blog já teve vários nomes (natalapses; natália non grata; olive trees, garnets and trains) e escrevo nesse espaço de forma inconstante desde agosto de 2016.

    Se quiser entrar em contato, basta deixar um comentário ou mandar um e-mail para mail.natalialvr@gmail.com.

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    Minha mãe sempre teve alguns livros em casa e eu lembro de passar bastante tempo mexendo neles, procurando alguma coisa bacana para ler. Geralmente eu me apegava aos livros da coleção Literatura em Minha Casa, que minha mãe ganhou quando a biblioteca da escola onde ela trabalha doou os livros que não usavam o (não mais tão) Novo Acordo Ortográfico. Passeando por todas as capas e textos, eu sempre olhava de rabo de olho para um livrinho fino, da lombada roxa. Sempre espreitando, esperando que chegasse a vez dele. Nunca chegava, porque eu fazia questão de tampar sua capa colocando outro livro por cima e ignorava completamente o fato de que lê-lo era uma opção.

    Aquela famosa frase "não julgue o livro pela capa" nunca funcionou aqui. Aquela lombada roxa trazia consigo um fantasma debochado, cujos cabelos se confundiam com a copa de uma árvore seca, em meio a letras amarelas que só faziam aquilo ficar mais e mais bizarro. Eu tinha pavor dessa capa. Lembro de ser uma criancinha medrosa, que chorava toda vez que, em um descuido, minha mãe deixava a capa daquele livro à mostra.

    Se essa capa não faz você sentir uma coisa muito ruim, tá errado

    O tempo passou, o medo também, mas aquela lembrança amarga do ranço daquele livro me perseguiu. Dizia aos quatro cantos que a alta literatura brasileira era uma vaidade inacessível para grande parte do povo que faz parte desse país (e ainda penso isso) e que não merecia ser lida, muito menos digna de apreço. Sim, eu me sentia digna de achar Machado de Assis overated. E isso perdurou até o dia em que a professora de português da oitava série exigiu que a turma toda lesse o tal do Memórias Póstumas de Brás Cubas. E eu li.

    E continuei achando uma bosta!

    Hoje, depois de adquirir um pouquinho mais de conhecimento e a plena noção de que não sei porra nenhuma, consigo perceber a genialidade por trás dessa obra. A ironia, o escárnio, o desprezo pela condição humana e o deboche são trejeitos incrustados em mim de uma maneira tão marcante quanto estão nessa obra. Eu tinha tudo para amar esse livro, mas não amei.

    E por quê? Porque minha professora de português me obrigou a ler o livro.

    Lembro que essa professora chegava na sala e escrevia uma frase no quadro, do tipo "Maria e João foram à praça passear" e, em seguida, perguntava para a turma "Qual o sujeito da frase?". Eu era a única que sabia a resposta, porque era uma das poucas que estavam fazendo cursinho (gratuito!) para entrar na escola técnica. Uma vez ela pediu para que eu parasse de responder a essas perguntas e deixar os outros alunos tentarem, mas toda aquela dinâmica não era sobre tentar! Era sobre aprender! Mas ninguém aprendia naquela sala, nem em nenhuma das outras sete salas que tínhamos frequentado durante o ensino fundamental. Nessas salas, a lógica sempre foi mais sobre dar a resposta certa do que sobre aprender.

    Se a gente não sabia qual era o sujeito da frase "Maria e João foram à praça passear", como íamos saber o que Brás Cubas quis dizer com o tal "ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas"?

    Foto da réplica da biblioteca de Juscelino Kubitschek, no Memorial JK.

    Eu tiro duas conclusões principais desse post: 1) o ensino público no Brasil precisa ser repensado, não perdendo tempo com aquela merda de discussão idiota sobre escola sem partido (falha nos seus próprios termos lógicos), mas pensar as possibilidades metodológicas e propor uma mudança concreta nos conteúdos; e 2) gostar ou não de um livro está muito relacionado ao momento em que estamos vivendo. Obrigar um jovem que nunca teve contato com a leitura a consumir um livro clássico, com colocações e vocabulários que não são acessíveis a ele, pode fazer com que essa pessoa nunca mais queira ler um livro - da mesma forma que o mesmo jovem pode ler um livro juvenil e tomar gosto pela leitura (saudades série vaga-lume).

    Para encerrar, gostaria de parabenizar o design que fez a capa desse livro: obrigada pelo trauma ¯\_(ツ)_/¯

    Atualização (18/09/2021): não acho justo chamar esse livro de "uma bosta" como eu disse lá em cima. Hoje consigo enxergar o valor cultural do livro e a genialidade das alegorias que Machado de Assis colocou nesse livro. De fato, é uma obra excelente e muito divertida de ler - desde que você tenha maturidade para compreender a leitura. Para que você não tenha o mesmo trauma que eu, recomendo essa edição publicada pela Antofágica.

    Conta aqui nos comentários se você já leu esse livro e o que achou dele. Aproveita para me contar se alguma professora chata já te obrigou a ler um clássico e estragou ele para você.
    . 16 dezembro 2018 .

    resenha: memórias póstumas de brás cubas

    . 16 dezembro 2018 .

    Minha mãe sempre teve alguns livros em casa e eu lembro de passar bastante tempo mexendo neles, procurando alguma coisa bacana para ler. Geralmente eu me apegava aos livros da coleção Literatura em Minha Casa, que minha mãe ganhou quando a biblioteca da escola onde ela trabalha doou os livros que não usavam o (não mais tão) Novo Acordo Ortográfico. Passeando por todas as capas e textos, eu sempre olhava de rabo de olho para um livrinho fino, da lombada roxa. Sempre espreitando, esperando que chegasse a vez dele. Nunca chegava, porque eu fazia questão de tampar sua capa colocando outro livro por cima e ignorava completamente o fato de que lê-lo era uma opção.

    Aquela famosa frase "não julgue o livro pela capa" nunca funcionou aqui. Aquela lombada roxa trazia consigo um fantasma debochado, cujos cabelos se confundiam com a copa de uma árvore seca, em meio a letras amarelas que só faziam aquilo ficar mais e mais bizarro. Eu tinha pavor dessa capa. Lembro de ser uma criancinha medrosa, que chorava toda vez que, em um descuido, minha mãe deixava a capa daquele livro à mostra.

    Se essa capa não faz você sentir uma coisa muito ruim, tá errado

    O tempo passou, o medo também, mas aquela lembrança amarga do ranço daquele livro me perseguiu. Dizia aos quatro cantos que a alta literatura brasileira era uma vaidade inacessível para grande parte do povo que faz parte desse país (e ainda penso isso) e que não merecia ser lida, muito menos digna de apreço. Sim, eu me sentia digna de achar Machado de Assis overated. E isso perdurou até o dia em que a professora de português da oitava série exigiu que a turma toda lesse o tal do Memórias Póstumas de Brás Cubas. E eu li.

    E continuei achando uma bosta!

    Hoje, depois de adquirir um pouquinho mais de conhecimento e a plena noção de que não sei porra nenhuma, consigo perceber a genialidade por trás dessa obra. A ironia, o escárnio, o desprezo pela condição humana e o deboche são trejeitos incrustados em mim de uma maneira tão marcante quanto estão nessa obra. Eu tinha tudo para amar esse livro, mas não amei.

    E por quê? Porque minha professora de português me obrigou a ler o livro.

    Lembro que essa professora chegava na sala e escrevia uma frase no quadro, do tipo "Maria e João foram à praça passear" e, em seguida, perguntava para a turma "Qual o sujeito da frase?". Eu era a única que sabia a resposta, porque era uma das poucas que estavam fazendo cursinho (gratuito!) para entrar na escola técnica. Uma vez ela pediu para que eu parasse de responder a essas perguntas e deixar os outros alunos tentarem, mas toda aquela dinâmica não era sobre tentar! Era sobre aprender! Mas ninguém aprendia naquela sala, nem em nenhuma das outras sete salas que tínhamos frequentado durante o ensino fundamental. Nessas salas, a lógica sempre foi mais sobre dar a resposta certa do que sobre aprender.

    Se a gente não sabia qual era o sujeito da frase "Maria e João foram à praça passear", como íamos saber o que Brás Cubas quis dizer com o tal "ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas"?

    Foto da réplica da biblioteca de Juscelino Kubitschek, no Memorial JK.

    Eu tiro duas conclusões principais desse post: 1) o ensino público no Brasil precisa ser repensado, não perdendo tempo com aquela merda de discussão idiota sobre escola sem partido (falha nos seus próprios termos lógicos), mas pensar as possibilidades metodológicas e propor uma mudança concreta nos conteúdos; e 2) gostar ou não de um livro está muito relacionado ao momento em que estamos vivendo. Obrigar um jovem que nunca teve contato com a leitura a consumir um livro clássico, com colocações e vocabulários que não são acessíveis a ele, pode fazer com que essa pessoa nunca mais queira ler um livro - da mesma forma que o mesmo jovem pode ler um livro juvenil e tomar gosto pela leitura (saudades série vaga-lume).

    Para encerrar, gostaria de parabenizar o design que fez a capa desse livro: obrigada pelo trauma ¯\_(ツ)_/¯

    Atualização (18/09/2021): não acho justo chamar esse livro de "uma bosta" como eu disse lá em cima. Hoje consigo enxergar o valor cultural do livro e a genialidade das alegorias que Machado de Assis colocou nesse livro. De fato, é uma obra excelente e muito divertida de ler - desde que você tenha maturidade para compreender a leitura. Para que você não tenha o mesmo trauma que eu, recomendo essa edição publicada pela Antofágica.

    Conta aqui nos comentários se você já leu esse livro e o que achou dele. Aproveita para me contar se alguma professora chata já te obrigou a ler um clássico e estragou ele para você.