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    supostamente, ela escreve

    Esse blog foi criado para que eu, Natália Oliveira, tivesse um espaço na internet para publicar meus textos. A bem da verdade, mais procrastino que escrevo, mas isso não me impede de sonhar acordada com o dia em que conseguirei escrever algo realmente bom. Sou saudosista da época dos blogs pessoais, gosto de histórias (e fofocas) e de jogos casuais. Esse blog já teve vários nomes (natalapses; natália non grata; olive trees, garnets and trains) e escrevo nesse espaço de forma inconstante desde agosto de 2016.

    Se quiser entrar em contato, basta deixar um comentário ou mandar um e-mail para mail.natalialvr@gmail.com.

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    Chegamos aqui no campo de concentração Auschwitz. E nós sabia que daqui nós sai nunca mais... Nós conhece as histórias. Vão dar gás e jogar nós nas fornos. Isso era 1944... Nós sabe tudo. E nós estar lá.

    A Segunda Guerra Mundial sempre foi um tema popular entre os meus colegas de escola. No ensino fundamental e médio, esperávamos ansiosos por aquele momento em que os professores deixariam de lado o jocoso governo Jânio Quadros para estudarmos a ascensão de Hitler na Alemanha economicamente destruída*. Já era de se esperar que nós não nos interessaríamos por um governo brasileiro que ficou popularmente conhecido por uma frase não dita (as tal "forças ocultas" que figuram nos livros de história, mas que nunca foram escritas na carta de renuncia de Jango), mas o interesse pela Segunda Guerra ia muito além de uma preferência narrativa. Esses eventos históricos nos prendiam mais do que qualquer outro. Para além dos símbolos, das cores, dos uniformes, dos campos de concentração posteriormente transformados em museus e das câmaras de gás, tínhamos milhares de perguntas: como era possível que ideias tão radicais e cruéis tenham sido colocadas em prática apenas com o estímulo dos discursos inflamados de um homenzinho esquisito? Mas a Europa não é um continente desenvolvido, com países de primeiro mundo? As pessoas de lá não são mais inteligentes do que nós? Como ninguém fez nada para impedir? Existia mesmo uma linha de produção para otimizar o extermínio dos judeus?

    imagem por @jeancarloemer

    Aparentemente, nosso interesse não era - nem é - exclusivo. Prova disso é a abundância de filmes, livros e demais produtos da cultura popular que abordam esse período histórico. Dos que já consumi, cito os livros A menina que roubava livros (um dos meus livros preferidos e que eu li até a exaustão - minha e do exemplar surrado que tenho guardado na estante), O menino do pijama listrado e O diário de Anne Frank; os filmes Olga: muitas paixões numa só vida, Até o último homem, O grande ditador e Bastardos Inglórios (dentre os citados, o menos fiel); e o podcast As filhas da guerra, a excelente primeira temporada do Projeto Humanos. Esses são apenas alguns exemplos, certamente existem muitos mais. E, no meio desse mar de histórias contadas e recontadas à exaustão, o que uma graphic novel pode acrescentar? Seria Maus apenas mais uma produção do entretenimento que se aproveitou do interesse do público para vender um produto novo? 


    Livro: Maus: a história de um sobrevivente
    Escritor: Art Spiegelman
    Publicação: Esse livro foi publicado pelo Grupo Companhia das Letras, no selo Quadrinhos na Cia.

    Sinopse: Maus ("rato", em alemão) é a história de Vladek Spiegelman, judeu polonês que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz, narrada por ele próprio ao filho Art. Nas tiras, os judeus são desenhados como ratos e os nazistas ganham feições de gatos; poloneses não-judeus são porcos e americanos, cachorros. Esse recurso, aliado à ausência de cor dos quadrinhos, reflete o espírito do livro: trata-se de um relato incisivo e perturbador, que evidencia a brutalidade da catástrofe do Holocausto.

    Clique aqui para comprar o livro


    Maus é absolutamente diferente de tudo o que eu já tinha lido sobre a Segunda Guerra e o Holocausto. Com uma narrativa crua, Art nos apresenta seu pai, Vladek: um polonês sistemático e extremamente sovina. Aos poucos, ele conta ao filho grande parte de sua história de vida - desde sua juventude, seu primeiro emprego e seus galanteios, até a época em que foi libertado de Auschwitz. Vladek é, acima de tudo, um personagem real - não apenas no sentido de que ele realmente viveu tudo o que foi narrado, mas pelo fato de ser apresentado de uma forma complexa e multifacetada, assim como são todos os seres humanos fora das páginas dos livros e dos telões do cinema. É impossível não odiá-lo e, dois segundos depois, compreendê-lo (apenas para voltar a odiá-lo antes de virar a página).

    Através da narrativa de Vladek, conhecemos diversos aspectos do cotidiano dos judeus naquela época que costumam ser ocultados das narrativas populares. Fica evidente, em diversos momentos, que a sobrevivência era uma questão de sorte. Não interessa quanto dinheiro um judeu tinha antes daquela época, onde ele vivia, quais habilidades possuía, mas sim como ele ia utilizar de tudo isso quando fosse pertinente. Mas como saber qual o momento pertinente? Em uma manhã qualquer, todos os judeus eram convocados a comparecer em uma praça. O que eles deviam fazer? Tentar fugir? Encontrar um esconderijo? Ir até a praça? E, se decidissem ir, seria melhor ser selecionado para a fila que estava à direita ou à esquerda? Nas filas, eles deveriam ser os primeiros ou os últimos? Mentir ou falar a verdade? Tentar usar suas últimas posses para subornar um soldado ou escondê-las em algum lugar? Ninguém sabia. Era como jogar roleta russa a todo instante.

    A obra também abarca diversos aspectos do estado psicológico dos judeus, mas faz isso nas entrelinhas. Assuntos como o suicídio, o medo e a violência - até mesmo depois que os campos são esvaziados - aparecem sutilmente, mas de uma maneira forte. Dois ou três quadrinhos bastam para que o leitor se sinta impactado pela força dos ânimos das pessoas e das situações retratadas. Talvez eu estivesse sensível no momento da leitura, mas nunca uma obra me impactou tanto com tão pouco. Por diversas vezes, precisei parar para respirar fundo, refletir sobre o que tinha acabado de ler e até me distrair com outra coisa.

    Outro aspecto que acrescenta à obra são os relatos de Art sobre a coleta da narrativa. A história descrita por Vladek é intercalada com cenas dos momentos em que ele a conta para o filho. Nesses momentos, podemos ver mais sobre sua personalidade difícil e a forma com que Art lida com as circunstâncias, além de todos os dilemas que o autor enfrentou enquanto colhia os relatos. Fica claro que todas essas situações - voltar a conviver com o pai, presenciar o relacionamento difícil que ele tinha com sua madrasta, relembrar histórias tão tristes e trágicas de seu povo, ser confrontado com a figura de um irmão que morreu ainda criança, a pressão que ele mesmo se impunha acerca do trabalho que estava elaborando, relembrar o suicídio de sua mãe, e tantas outras mais - eram muito para ele.


    O trecho que abre o post foi retirado dessa página do livro. Achei interessante tirar uma foto para vocês verem o estilo das ilustrações.

    Maus foi uma obra que me surpreendeu e me sensibilizou de tal forma que esse post demorou mais de um mês para ser escrito. Durante esse tempo, eu revisitei as anotações que fiz durante a leitura e folheei o livro diversas vezes, tentando agilizar a produção do texto. Não funcionou. A cada paragrafo escrito eu precisava parar para me recuperar e refletir sobre os relatos. O que eu recebi como apenas mais um produto de entretenimento sobre a Segunda Guerra mundial acabou me acertando como um soco. Mas um soco bom (será que isso existe?). É impressionante o fato de que, mesmo se tratando de um assunto que já foi explorado à exaustão, o relato dos que viveram aquilo ainda são capazes de trazer luz a aspectos novos - aspectos que facilmente passam despercebidos por nós, pessoas que apenas podem imaginar tudo o que foi a perseguição e a violência infringida aos judeus naquela época

    AVISOS


    Há pouco tempo, fiz minha inscrição no programa de afiliados da Amazon. Todos os links de produtos da Amazon que estão nesse post são comissionados, ou seja, eu ganho uma comissão se alguma compra for realizada a partir deles. 

    * O governo de Jânio Quadros (1961) ocorreu anos depois do final da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945). Esse apontamento que eu fiz aqui diz mais respeito à minha memória afetiva com as aulas de história que, por algum motivo que desconheço, nunca seguiam uma sequência cronológica. De fato, aprendi sobre a Segunda Guerra Mundial e sobre o breve governo de Jânio Quadros mais ou menos na mesma época - esquisito, eu sei, mas foi assim.
    . 05 outubro 2020 .

    resenha: maus

    . 05 outubro 2020 .

    Chegamos aqui no campo de concentração Auschwitz. E nós sabia que daqui nós sai nunca mais... Nós conhece as histórias. Vão dar gás e jogar nós nas fornos. Isso era 1944... Nós sabe tudo. E nós estar lá.

    A Segunda Guerra Mundial sempre foi um tema popular entre os meus colegas de escola. No ensino fundamental e médio, esperávamos ansiosos por aquele momento em que os professores deixariam de lado o jocoso governo Jânio Quadros para estudarmos a ascensão de Hitler na Alemanha economicamente destruída*. Já era de se esperar que nós não nos interessaríamos por um governo brasileiro que ficou popularmente conhecido por uma frase não dita (as tal "forças ocultas" que figuram nos livros de história, mas que nunca foram escritas na carta de renuncia de Jango), mas o interesse pela Segunda Guerra ia muito além de uma preferência narrativa. Esses eventos históricos nos prendiam mais do que qualquer outro. Para além dos símbolos, das cores, dos uniformes, dos campos de concentração posteriormente transformados em museus e das câmaras de gás, tínhamos milhares de perguntas: como era possível que ideias tão radicais e cruéis tenham sido colocadas em prática apenas com o estímulo dos discursos inflamados de um homenzinho esquisito? Mas a Europa não é um continente desenvolvido, com países de primeiro mundo? As pessoas de lá não são mais inteligentes do que nós? Como ninguém fez nada para impedir? Existia mesmo uma linha de produção para otimizar o extermínio dos judeus?

    imagem por @jeancarloemer

    Aparentemente, nosso interesse não era - nem é - exclusivo. Prova disso é a abundância de filmes, livros e demais produtos da cultura popular que abordam esse período histórico. Dos que já consumi, cito os livros A menina que roubava livros (um dos meus livros preferidos e que eu li até a exaustão - minha e do exemplar surrado que tenho guardado na estante), O menino do pijama listrado e O diário de Anne Frank; os filmes Olga: muitas paixões numa só vida, Até o último homem, O grande ditador e Bastardos Inglórios (dentre os citados, o menos fiel); e o podcast As filhas da guerra, a excelente primeira temporada do Projeto Humanos. Esses são apenas alguns exemplos, certamente existem muitos mais. E, no meio desse mar de histórias contadas e recontadas à exaustão, o que uma graphic novel pode acrescentar? Seria Maus apenas mais uma produção do entretenimento que se aproveitou do interesse do público para vender um produto novo? 


    Livro: Maus: a história de um sobrevivente
    Escritor: Art Spiegelman
    Publicação: Esse livro foi publicado pelo Grupo Companhia das Letras, no selo Quadrinhos na Cia.

    Sinopse: Maus ("rato", em alemão) é a história de Vladek Spiegelman, judeu polonês que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz, narrada por ele próprio ao filho Art. Nas tiras, os judeus são desenhados como ratos e os nazistas ganham feições de gatos; poloneses não-judeus são porcos e americanos, cachorros. Esse recurso, aliado à ausência de cor dos quadrinhos, reflete o espírito do livro: trata-se de um relato incisivo e perturbador, que evidencia a brutalidade da catástrofe do Holocausto.

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    Maus é absolutamente diferente de tudo o que eu já tinha lido sobre a Segunda Guerra e o Holocausto. Com uma narrativa crua, Art nos apresenta seu pai, Vladek: um polonês sistemático e extremamente sovina. Aos poucos, ele conta ao filho grande parte de sua história de vida - desde sua juventude, seu primeiro emprego e seus galanteios, até a época em que foi libertado de Auschwitz. Vladek é, acima de tudo, um personagem real - não apenas no sentido de que ele realmente viveu tudo o que foi narrado, mas pelo fato de ser apresentado de uma forma complexa e multifacetada, assim como são todos os seres humanos fora das páginas dos livros e dos telões do cinema. É impossível não odiá-lo e, dois segundos depois, compreendê-lo (apenas para voltar a odiá-lo antes de virar a página).

    Através da narrativa de Vladek, conhecemos diversos aspectos do cotidiano dos judeus naquela época que costumam ser ocultados das narrativas populares. Fica evidente, em diversos momentos, que a sobrevivência era uma questão de sorte. Não interessa quanto dinheiro um judeu tinha antes daquela época, onde ele vivia, quais habilidades possuía, mas sim como ele ia utilizar de tudo isso quando fosse pertinente. Mas como saber qual o momento pertinente? Em uma manhã qualquer, todos os judeus eram convocados a comparecer em uma praça. O que eles deviam fazer? Tentar fugir? Encontrar um esconderijo? Ir até a praça? E, se decidissem ir, seria melhor ser selecionado para a fila que estava à direita ou à esquerda? Nas filas, eles deveriam ser os primeiros ou os últimos? Mentir ou falar a verdade? Tentar usar suas últimas posses para subornar um soldado ou escondê-las em algum lugar? Ninguém sabia. Era como jogar roleta russa a todo instante.

    A obra também abarca diversos aspectos do estado psicológico dos judeus, mas faz isso nas entrelinhas. Assuntos como o suicídio, o medo e a violência - até mesmo depois que os campos são esvaziados - aparecem sutilmente, mas de uma maneira forte. Dois ou três quadrinhos bastam para que o leitor se sinta impactado pela força dos ânimos das pessoas e das situações retratadas. Talvez eu estivesse sensível no momento da leitura, mas nunca uma obra me impactou tanto com tão pouco. Por diversas vezes, precisei parar para respirar fundo, refletir sobre o que tinha acabado de ler e até me distrair com outra coisa.

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    O trecho que abre o post foi retirado dessa página do livro. Achei interessante tirar uma foto para vocês verem o estilo das ilustrações.

    Maus foi uma obra que me surpreendeu e me sensibilizou de tal forma que esse post demorou mais de um mês para ser escrito. Durante esse tempo, eu revisitei as anotações que fiz durante a leitura e folheei o livro diversas vezes, tentando agilizar a produção do texto. Não funcionou. A cada paragrafo escrito eu precisava parar para me recuperar e refletir sobre os relatos. O que eu recebi como apenas mais um produto de entretenimento sobre a Segunda Guerra mundial acabou me acertando como um soco. Mas um soco bom (será que isso existe?). É impressionante o fato de que, mesmo se tratando de um assunto que já foi explorado à exaustão, o relato dos que viveram aquilo ainda são capazes de trazer luz a aspectos novos - aspectos que facilmente passam despercebidos por nós, pessoas que apenas podem imaginar tudo o que foi a perseguição e a violência infringida aos judeus naquela época

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