Tudo o que eu escrevo é sobre escrever.
Se você me acompanhava finado blog LAPSOS, me segue no
twitter (aka melhor e pior rede social do mundo) ou já prestigiou uma das minhas tentativas fracassadas de começar uma newsletter, sabe que a escrita tem sido um grande fardo para mim. A menina que era reconhecida por escrever bem decidiu entrar em um mestrado e toda a sua confiança foi sugada pelo monstro do mundo acadêmico. Desde então, as crises se acumulam no meu colo: crises de identidade, crises de ansiedade, crises criativas, crises existenciais e, óbvio, a crise da escrita.
Toda nova tentativa que eu faço de voltar a escrever com prazer começa com um monólogo existencial sobre essa briga eterna entre a escrita e eu. E eu imagino que você que tem acompanhado todas as minhas lamúrias - e até mesmo você que acabou de cair de paraquedas por aqui - pode estar se perguntando "menina, se isso é tão difícil para você, se você já tentou tanto e se isso está te fazendo mal há tanto tempo, por que você não desiste? Por que não esquece isso, deixa de lado, para de forçar e começa a viver uma vida mais leve?".
Essa pergunta tem mais de uma resposta, mas a principal delas é: não consigo. Não consigo abrir mão da escrita porque escrevo mesmo sem escrever. Esse texto, por exemplo, já foi escrito na minha cabeça dezenas de vezes: enquanto eu tomava banho, lavava a louça, rolava na cama esperando o sono vir... Em inúmeras situações minha cabeça liga o modo "escrita" e começa a escrever.
Consigo diferenciar os pensamentos normais dos pensamentos de escrita porque, como a boa mineira que sou, tenho o hábito de falar e pensar engolindo as palavras. Enquanto os pensamentos normais soam como "tenque pegá os trem e botána sacola puquê o lixero vai passamanhã", os pensamentos de escrita são algo do tipo "os objetos jogados na sacola e a sacola jogada sobre ao chão. Amanhã estarão jogados em outro lugar, dando fim a seu ciclo de serventia descartável". Além disso, os pensamentos de escrita são editáveis, posso voltar e trocar "serventia" por "utilidade", inverter a ordem das frases, transformar tudo em um diálogo, mudar as pontuações.
Os pensamentos de escrita ecoam na minha cabeça, mas raramente passam para o papel (ou para a tela do computador, você entendeu).
O mais frustrante sobre isso tudo é que eu poderia lotar uma biblioteca com todos os textos que não escrevi. Se eu começasse a escrever assim que os pensamentos de escrita invadissem a minha imaginação, Stephen King não seria ninguém na fila da produtividade. Mas eu não começo, não escrevo. Anoto uma coisa aqui e ali e juro para mim mesma que vou voltar nessas anotações e transformar aquilo tudo em um texto brilhante, mas procrastino essas palavras para sempre. Continuo sendo uma escritora assídua no mundo de faz de conta que existe na minha cabeça e uma grande vagabunda fracassada no mundo real.
Ah, e ainda temos uma cereja para colocar nesse bolo: a COVID-19.
Esse post está sendo publicado no meio de uma pandemia (meio, risos, quem dera fosse o meio...). Meus pensamentos de escrita as vezes me carregam para cenários distópicos e, como sempre tive uma tendência a ser fatalista, sempre fui capaz de imaginar crimes em massa, guerras, crises econômicas catastróficas e desastres naturais de grande porte. Mas nem no auge da minha criatividade eu seria capaz imaginar que isso tudo viria junto com uma pandemia, um presidente genocida e um grupo de lunáticos que pedem a publicação de um novo AI 5 em nome da liberdade de expressão. É, eu sei. Nada é tão ruim que não possa ficar pior.
Enfim, no meio desse caos interno e externo, percebi que nunca vou conseguir terminar minha dissertação se não voltar a ter prazer em expulsar as palavras do meu cérebro e obrigá-las a ir para o mundo. Além disso, vejo certa beleza em começar algo no meio de uma pandemia. É como olhar na cara da morte enquanto fim e soprar a vida em forma de início - não por amor a vida em si, porque isso não faz meu tipo, mas por amor a "ser do contra".
Essa é a tentativa número 1319 de voltar a escrever com prazer. Sejam bem vindos.